Ou melhor, QUE BOM QUE NOS REENCONTRAMOS.
(Na foto acima, Cristina e eu, ou Eu e Cristina)
Nasci
em Belém, do Pará, precisamente no Hospital Santa Helena, aos dez minutos das
dez horas do dia quatro de dezembro de mil novecentos e cinquenta e sete. Por
coincidência, Dia Mundial da Propaganda. Sou filho de Jesus Andres Vásquez
Marcano e Josefa Martins de Souza Vásquez, ele adido do Consulado da Venezuela
e ela uma Professora primária (hoje diríamos do Ensino Fundamental). Se
conheceram de forma muito interessante. Eu conto:
Meu
pai estava a serviço da Embaixada Venezuelana numa missão especial em nosso
país mais ou menos por volta de 1950. Minha mãe, na companhia de sua amiga
Thelma, visitava pela primeira vez a cidade grande (acredite, esta é uma
referência a cidade de Boa Vista, há época Distrito Federal). Minha mãe vinha
de uma pequena localidade, Catrimani, no interior de Roraima onde meus avós
maternos, cearenses, Venâncio José de Souza e Adalgisa Martins de Souza, viviam
com a família no seringal. Mamãe era a única professora daquele pequeno povoado.
Meu avô, Venâcio, contratava professores em Boa Vista e Manaus para darem aulas aos seus filhos. Minha mãe tornou-se professora para alfabetização de adultos com 12 anos de idade.
Como
presente, por completar 15 anos, minha mãe ganhou passagens de barco para
conhecer a "cidade grande". Lá chegando, num passeio pelo centro da
cidade, minha mãe viu um senhor (naquela época um homem com mais de 30 anos era
um senhor - rss) que se dirigia a um edifício (um prédio de 3 andares).
Praticamente arrastando a Thelma pelas mãos, enfrentando os protestos desta,
minha mãe seguiu aquele homem até o local. Tratava-se de um Hotel de luxo. Indo
até a recepção, num ímpeto de minha mãe, fez perguntas sobre o homem desconhecido
de ambas, fez perguntas sobre a origem do homem e outras curiosidades. Enquanto
perguntava, percebendo falarem sobre a sua pessoa, Dom Vásquez retornou à
recepção e iniciou uma conversa em Espanhol com minha mãe (que nunca havia
estudado ou ouvido aquele idioma). Thelma não compreendia o que estava
acontecendo. Durante a conversa aquele homem fez anotações. Saíram ambas
daquele local e, já na calçada, Thelma perguntou de minha mãe o que haviam
conversado ao que Josefa respondeu não saber do que se tratava, pois não
lembrava de nada além da primeira imagem daquele "senhor". Thelma
explicou para Josefa o que havia acontecido e ela, sem entender os fatos disse
apenas que sentira uma tonteira e que não se lembrava de nada e muito menos
falava outra língua que não o português. Passados os dias de férias na
"cidade grande", Josefa voltou para o interior, Catrimani.
Após
alguns meses, enfrentando a dificuldade do idioma e as adversidades de uma
viagem de barco por mais de 3 dias, chegou àquele povoado no distante interior
da Amazônia, Dom Vásquez, para pedir Josefa em casamento. O que não permitiu
meu avô, por achar meu pai muito velho para sua filha, uma diferença de 18
anos, e que Josefa era apenas uma criança de 15 anos. Meu pai fez a viagem de
volta à Boa Vista (Brasil), depois Santa Helena (Venezuela) sem esperanças de
poder casar com aquela mulher que ele já chamara de Mamita.
Em
1952 o Consulado da Venezuela solicitava a presença de Dom Vásquez em Manaus
para uma missão diplomática, o que ele acatou "sem embargo". Alguns
meses antes, minha mãe havia retornado à casa de seu padrinho e pai do coração,
Aluisio Marques Brasil, para retomar seus estudos. A família Brasil morava na
Av. 7 de Setembro, ao lado da antiga sede da Prefeitura de Manaus. Foi naquela
"casa grande" (6 quartos no piso superior e 8 no inferior - lembrando
que os quartos do piso superior mediam 5m x 6m com o pé direito de 4m. Não se
constroem mais casas assim em Manaus há décadas. Lembro-me bem da sala de estar
medindo 13m x 6m, onde sempre realizávamos as festas da família, morei com meu
avô do coração e esta maravilhosa família no início dos anos 70, falarei sobre
isso mais a frente). Minha mãe logo que retornou foi assediada por um bonito
rapaz que a todos cativou e a ela também. Contudo, minha mãe confidenciava às
suas amigas que não gostava dele e que não estava feliz com o noivado (não
guardou nenhum registro destes momentos com o César). Foi em meio a estes
acontecimentos que minha mãe reencontrou o grande amor de sua vida, Dom
Vásquez.
Com
uniforme de "normalista" minha mãe retornava do Colégio Santa
Dorotéia, localizado à Rua Joaquim Nabuco, descendo à Av. Sete de Setembro (que
naqueles dias do Século passado, o trânsito mantinha a mão dupla) a caminho da
residência dos Brasil, quando ouviu uma voz forte chamar por seu nome e um
epíteto: “Josefa, Josefa. Mamita, Mamita!”. Minha mãe estancou os passos e a
pronúncia (Rocefa, Rocefa) acelerou seu coração. Nervosa, não quis olhar para o
carro do outro lado da rua de onde vinha aquele som. Josefa permaneceu parada
alguns segundos e não resistiu àquela vontade de ver seu Dom Vásquez. Jesus
desceu do carro e foi até Josefa. Suas primeiras palavras em “portuñol” foram:
“Eu não vou perder você novamente, agora já és de maior e podes casar. Casa
comigo Josefa?”.
Ao
retornar para a residência dos Brasil, minha mãe conversou com seu padrinho
Aluísio e contou sua história. Vovô Aluísio, assim eu o chamava, foi
compreensivo e auxiliou minha mãe na tarefa de desmanchar o compromisso de noivado
assumido com o César. Alguns meses depois, ela casou-se com Jesus.
Minha
mãe contava que meu pai era um homem maravilhoso, querido por todos e que
possuía muitos amigos. No ano seguinte ao casamento, o Consulado Venezuelano
mudou-se para o Rio de Janeiro e o casal deixou Manaus para se adaptar àquela
grande cidade. E foi justamente nesta cidade que minha mãe ficou conhecendo a
explicação do início daquele relacionamento. Começa assim:
Chovia
muito naquela noite e minha mãe chorava com dor de dente. À tarde meu pai havia
levado minha mãe ao dentista e este a examinara sem encontrar nenhum problema
dentário que pudesse justificar as dores que ela reclamava. Recomendou um tipo
de analgésico e dispensou a paciente. Naquela noite, por volta de 19h30 as dores
ficaram mais intensas e a vizinha, Dona Norma, informou que achava estranho a
dor de dente e a febre que minha mãe apresentava e sugeriu que meu pai levasse
minha mãe até uma conhecida seara, em Vila Isabel, para que o Sr. Manuelzinho
rezasse nela. Meu pai assim o fez. Chegaram
à seara às 21h e foram recebidas por “Seo Manelzinho” que lhes disse:
-
Mi zifio, suncê demorô...
Após
estas palavras, o homem começou a tremer e em seguida sentou-se num banquinho
de madeira. Minha mãe simultaneamente fechou os olhos e desmaiou. Poucos
segundos depois, o homem ficou normal e se pôs de pé. Falou com voz natural e
explicou para o meu pai que a minha mãe estava passando uma prova cármica e que
os Guias Espirituais dela estavam ali para iniciá-la. Cabia a ele (meu pai) a
missão de educá-la e ensinar a lidar com a mediunidade que minha mãe trouxera
para esta vida.
Enquanto
falavam, minha mãe foi levantando lentamente e começou a falar em espanhol com
meu pai.
-
Meu nome é Caboca Patauá. Fui em minha vida mais recente em 1720, uma índia
venezuelana. Fui eu quem conversou contigo naquela tarde na cidadezinha, quando
minha filha estava na companhia da moça Thelma. Como você já descobriu, ela não
falava seu idioma naquela época. Foi necessário aquele fenômeno para não
perdermos a oportunidade que se apresentou. Mas, por muito pouco, aquele velho não
bota tudo a perder. Você estava predestinado para ela, juntos terão três
filhos, duas mulheres e um homem, porém apenas o casal irá cruzar o século.
Isso é um ajuste de milênios.
Aquele
espírito se despediu de meu pai e logo sem seguida outro se manifestou, desta
vez falando em português.
-
Eu sou o Tucuxi do Mar. Estou aqui para dar as boas-vindas! Temos muito
trabalho para fazer através deste “cavalo” (maneira de alguns espíritos da
Umbanda se referirem a seus médiuns). Você tem a missão de convencê-la a
trabalhar para a espiritualidade.
Conversou
outras coisas com meu pai, respondeu às perguntas que ele fez e depois se
despediu. Após um prolongado suspiro, outro espírito se manifestou falando em
espanhol com meu pai:
-
Meu nome é Guadalupe, mas todos me chamam apenas de Ciganhinha. Faço parte do
grupo de espíritos guias de tua mulher. Deixe-me ver as linhas de tua mão (e
pegou na mão esquerda de papai e depois na direita, analisando atentamente as
duas palmas). Xiiii, não ficarás muitos anos mais aí na terra. Tua missão está
quase concluída.
Meu
pai conversou bastante com a Ciganinha, fez várias perguntas e a todas obteve
respostas inteligentes e elucidativas. Ficou muito impressionado com a inteligência
daquela personalidade que se identificava como uma cigana, embora confessasse
que fora roubada de seus pais, ainda criança, por uma caravana de ciganos que
passara por Santa Cruz de La Palma, na Espanha, em 1846. Ao longo da vida de
minha mãe, este espírito fora muito presente em várias situações. Depois de
bastante tempo de conversa este espírito se despediu dizendo que precisava dar
passagem àquele que era o guia principal de Josefa, Pai João de Angola. Com
este, meu pai conversou mais demoradamente e recebeu instruções valiosíssimas
para a sua atual encarnação e de como deveria se comportar para convencer
Josefa a seguir a doutrina Espiritualista.
Às
2h, naquela madrugada, minha mãe acordou dos transes e estava sem nenhuma dor
ou febre. As duas entidades que tomaram cachaça, Tucuxi do Mar e Pai João de
Angola, não deixaram nenhum cheiro de bebida no hálito de minha mãe, bem como
ela não aparentava ter ingerido tanta cachaça. Pai João disse a meu pai que em
breve eles mudariam para uma cidade distante dali, porque as crianças deveriam
nascer, por questões simbólicas e cármicas, em outro local.
Em
1954 o Consulado Venezuelano mudou-se para Belém do Pará.
Naquela
época o Grão Pará era soberano no Norte, diziam até que o Brasil ia até Belém e
que terminava por ali mesmo e que a civilização pouco existia abaixo da cidade
paraense. Foi para lá que meu pai e minha mãe foram morar.
Poucos
meses depois da mudança, minha mãe ficou grávida de sua primeira filha, Maria
do Rosário, que nasceu enrolada no cordão umbilical e faleceu seis horas após o
parto.
Em
28 de abril de 1956 nascia a minha irmã Marta, saudável e bonita criança para a
felicidade de nossos pais. O nome de minha irmã deve-se à devoção de mamãe a
Santa Marta. Com medo de perder a criança e viver o drama de sua primeira
filha, minha mãe fez a promessa de colocar o nome Marta em sua filha se a criança
nascesse saudável e perfeita.
Por que tenho este nome?
No ano seguinte, no dia 4 de dezembro, nasci, também em Belém, capital do Pará. Conto pra vocês na sequência.
(texto
em construção)